Pular para o conteúdo

Histórico

Embora no contexto acadêmico brasileiro, a Linguística Popular não figure ainda como um domínio de estudos no campo das ciências da linguagem, desde alhures, ela está muito presente no nosso cotidiano. Com efeito, muitos trabalhos realizados antes e também atuais poderiam ser enquadrados nesse campo do conhecimento, que no contexto anglo-saxônico (sobretudo norte-americano) e germânico (notadamente o alemão) é muito forte. Toda a descrição que Anchieta fez do Tupinambá no século XVII, os glossários elaborados pelos viajantes europeus nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo as disputas entre os modernistas (Mario de Andrade) e os parnasianos (Olavo Bilac) sobre a existência/necessidade de uma língua nacional no final do XIX e início do século XX, ou mesmo o seminal livro O Dialeto Caipira de Amadeu Amaral, ou ainda as recentes polêmicas entre gramáticos, linguistas e não-linguistas sobre o livro Por uma vida melhor poderiam ser designados como fazendo parte de uma folk linguistics.

A rigor folk linguistics designa todo o trabalho sobre linguagem, isto é, os saberes espontaneamente construídos pelos mais diversos atores sociais, que não estão necessariamente fundamentados em uma lógica de uma teoria da linguagem. N. Niedzielski e D. Preston propõem uma síntese e uma imagem do conteúdo da linguística popular norte-americana: “[The word folk] refers to those who are not trained professionals in the area under investigation […] We definitely do not use folk to refer  to rustic, ignorant, uneducated, backward, primitive, minority, isolated, marginalized, or lower status groups or individuals (2000, p. 08)”. Os autores sublinham que os saberes populares contribuem sobremaneira para a constituição dos saberes científicos: “Whether for the purely scientific purpose of recording it or for the social purposes of helping us better understand our attitudes to one another, we suggest that the study of […] linguistically-oriented caricature is an important task (2000, p. 123)”. Lidia Becker, Sandra Herling, Holger Wochele (2019) compreendem a linguística popular como um domínio que couvre une large gamme des phénomènes décrits et interprétés sous cette étiquette; nous nous basons sur Antos (1995), qui considère le terme de « linguistique populaire » comme la désignation de réflexions métalinguistiques destinées à des non- spécialistes et très souvent exprimées par ces derniers. Si, par contre, ce sont des

« spécialistes » qui énoncent ces réflexions, on pourrait parler de « linguistique officielle appliquée » (Stegu 2008).

No contexto brasileiro, até o presente momento todas as discussões sobre a língua (ensino, uso, pesquisa) têm colocado linguistas e não linguistas em lugares diametralmente opostos: detentores do saber científico sobre língua de um lado e detentores de saberes leigos sobre a língua de outro. Trata-se de uma verdadeira interincompreensão: cada um traduz o discurso do outro a partir do seu posicionamento discursivo. Cumpre destacar que a não fundamentação em uma teoria científica de linguagem, não invalida os trabalhos dos linguistas leigos, mesmo os de natureza mais prescritiva, que podem ser incorporados ao trabalho dos linguistas propriamente ditos. Entendemos com Marie-Anne Paveau (2008) que as abordagens científica e popular são anti-eliminativas. Com efeito, entendemos a linguística popular de maneira escalar e  não binária, isto é, não está em contradição com a linguística acadêmica, podendo, portanto, a primeira ser plenamente integrada a um estudo científico da linguagem. Como sabiamente afirma Paveau (2008): “os enunciados populares não são necessariamente crenças falsas a serem eliminadas da ciência. Constituem ao contrário saberes perceptivos, subjetivos e incompletos a serem integrados aos dados científicos da linguística”.

Nesse sentido, cumpre destacar que o traço que distingue a Linguística popular de outras perspectivas teóricas que se debruçam sobre o objeto língua(em) é justamente a possibilidade de compreender como e por que os discursos que falam da língua(gem) afetam a própria língua(gem), enquanto objeto de conhecimento. Quando nos referimos aos discursos que falam de língua(gem) não estamos pensando somente nos discursos morais sobre a língua(gem), os prescritivos, por exemplo. Esses estão contemplados em uma das práticas linguísticas dos praticantes da Linguística popular: práticas prescritivas; descritivas; intervencionistas e militantes. Essas práticas por sua vez podem ser enquadradas em dois grandes eixos: o dos metadiscursos dos/das locutores/as sobre a sua língua e a dos outros e, as atividades de avaliação, percepção, intuição e sentimento sobre a sua língua e a dos outros.

A publicação do Dossiê Linguística Popular | Folk Linguistics, organizado pelos pesquisadores Roberto Leiser Baronas e Maria Inês Pagliarini Cox, publicado com seis textos na prestigiosa Revista Fórum Linguístico https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/issue/view/3003, a realização do  I Seminário Internacional de Estudos em Linguística Popular – SIELiPop e I Instituto de Análise Caipira do Discurso – homenagem a Amadeu Amaral pelo centenário de publicação do livro O Dialeto Caipira https://sielipopufscar.wixsite.com/sielipop com apoio financeiro da CAPES e FAPESP, bem como por um lado, a publicação do livro Linguística folk: uma introdução de autoria de Marie-Anne Paveau e organizado por Roberto Leiser Baronas, Tamires Cristina Bonani Conti e Julia Lourenço Costa (o Link de livre acesso  do livro  é https://www.letraria.net/linguistica-folk-uma-introducao/) e por outro a publicação do livro Linguística popular/Folk linguistics: saberes linguísticos de meia tigela? com textos de autores de diversos países, a sair ainda no primeiro semestre de 2021, no formato E-book pela Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Link de acesso ao boneco do livro: https://drive.google.com/drive/folders/1tNc9psUlFiOELWjy43l75aROD9N9KEQI?usp=sharing) demonstra, por um lado, que se trata de um campo que já nasce com muito viço e, por outro, oferecendo inúmeras possiblidades de pesquisa.

Objetivos

1 – Institucionalizar o campo de estudos em Linguística popular junto a maior Associação de Letras e Linguística do Brasil, ANPOLL;

2 – Propor um diálogo efetivo com pesquisadores de outros países, notadamente França; EUA, Alemanha e Costa Rica (espaços acadêmicos em que este campo está bem constituído) para a realização de atividades em conjunto (organização e tradução de manuais e de livros; publicação de artigos em conjunto; participação e organização de eventos; intercâmbio de professores e alunos);

3 – Realizar a cada dois anos em uma das instituições dos participantes do GT (UFSCar; UFMT; UFG; UFU; UEM; UEL; UFGD; UNEMAT; UESB, UNIR; UFMS) o Seminário Internacional de Estudos em Linguística Popular – SIELiPop;

4 – Realizar anualmente de maneira virtual e bianualmente de forma presencial (durante o ENANPOLL) o encontro interno do GT para discutir o andamento das ações propostas no Plano de Trabalho. 

Os/as participantes do GT de Linguística popular tem formação diversa no campo das Ciências da Linguagem (analistas do discurso; semanticistas, sociolinguistas, línguas indígenas…) estão ligados/as a instituições de ensino, pesquisa, extensão, situadas nas cinco regiões brasileiras (Sul, Sudeste, Centro-Oeste; Nordeste e Norte). Essa formação diversa e a participação em distintas regiões brasileiras permite que os saberes produzidos pelo GT não só sejam descentralizados dos grandes eixos de produção do conhecimento como também possibilitam uma descrição mais fidedigna das realidades em termos de práticas linguísticas dos não-linguistas espalhados por todo o Brasil. Cumpre destacar que os critérios de credenciamento, descredenciamento e recredenciamento serão estabelecidos na primeira reunião do GT.